terça-feira, 12 de junho de 2012

Nota do tempo de um voo contido


          O cálice das verdades interiores molhou sua garganta e amargou toda sua boca. Com os olhos fechados seu corpo derretia no calor e caía aos pedaços. As narinas cada vez mais irritadas não suportavam a entrada de tanto ar. Mãos e costas encolhidas e um choro inconsolável tomaram o seu ser. Os dentes doloridos já não faziam mais parte daquela boca e as pernas estavam submersas na intensa frieza das águas. Seu ninho era frio e lhe fazia tremer toda a carne, inexplicavelmente já perdera todos os sentidos humanos, passando a escutar como aves e se perturbar com todo e qualquer ruído que chegasse aos seus sensíveis ouvidos. Suas penas ainda pequenas estavam molhadas e uma breve crise de riso se estampou no rosto. Já estava na hora de amargar a boca novamente quando seu estômago esquentou e num movimento abrupto veio a necessidade de expelir o vômito da cura. Sua vontade era de voar, mas algo prendia suas asas nos pensamentos racionais que lhe vinham negar a experiência da mutação. Ao impedir sua força interior entrou em transe e passou a ter densas visões de animais e insetos que nunca havia visto na vida racional, todos os que passavam por perto possuíam olhos, muitos olhos a olhar a ave que não tinha descoberto a maravilhosa liberdade plena por meio do voo. Outra vez sentiu o poder da cura e expeliu um viscoso vômito do pranto reprimido. Precisou de ajuda para se libertar das garras do perigo em meio aos calafrios e tremores de seu corpo, logo ouviu uma voz apaziguadora e solícita aos seus suspiros temerosos. Essa mão auxiliadora foi ao seu encontro, despertando sua alma do distante sono de embriaguez que aos poucos voltava para luz. Logo veio a aurora boreal e pigmentos violetas despontaram por entre todos os irmãos. Deitou-se e percebeu que seus sentidos humanos retornavam e muito tempo se passou até que sentisse o habitual calor em suas pernas. Regressou de sua viagem e permaneceu meditando no entorpecimento e em tudo o que havia acontecido por meio do cálice de poder.

2 comentários:

Johnny Nogueira dos Santos disse...
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Analina Arouche disse...
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