O cálice das verdades interiores
molhou sua garganta e amargou toda sua boca. Com os olhos fechados seu corpo
derretia no calor e caía aos pedaços. As narinas cada vez mais irritadas não
suportavam a entrada de tanto ar. Mãos e costas encolhidas e um choro
inconsolável tomaram o seu ser. Os dentes doloridos já não faziam mais parte
daquela boca e as pernas estavam submersas na intensa frieza das águas. Seu
ninho era frio e lhe fazia tremer toda a carne, inexplicavelmente já perdera
todos os sentidos humanos, passando a escutar como aves e se perturbar com todo
e qualquer ruído que chegasse aos seus sensíveis ouvidos. Suas penas ainda
pequenas estavam molhadas e uma breve crise de riso se estampou no rosto. Já
estava na hora de amargar a boca novamente quando seu estômago esquentou e num
movimento abrupto veio a necessidade de expelir o vômito da cura. Sua vontade
era de voar, mas algo prendia suas asas nos pensamentos racionais que lhe
vinham negar a experiência da mutação. Ao impedir sua força interior entrou em
transe e passou a ter densas visões de animais e insetos que nunca havia visto
na vida racional, todos os que passavam por perto possuíam olhos, muitos olhos
a olhar a ave que não tinha descoberto a maravilhosa liberdade plena por meio
do voo. Outra vez sentiu o poder da cura e expeliu um viscoso vômito do pranto reprimido.
Precisou de ajuda para se libertar das garras do perigo em meio aos calafrios e
tremores de seu corpo, logo ouviu uma voz apaziguadora e solícita aos seus
suspiros temerosos. Essa mão auxiliadora foi ao seu encontro, despertando sua
alma do distante sono de embriaguez que aos poucos voltava para luz. Logo veio
a aurora boreal e pigmentos violetas despontaram por entre todos os irmãos.
Deitou-se e percebeu que seus sentidos humanos retornavam e muito tempo se passou
até que sentisse o habitual calor em suas pernas. Regressou de sua viagem e permaneceu
meditando no entorpecimento e em tudo o que havia acontecido por meio do cálice
de poder.
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