sexta-feira, 22 de junho de 2012

Ig, ig, urra!


           A ignorância é tão interessante quando não está associada a comportamentos como a rudeza, grosseria, estupidez e boçalidade. Ela chama muita atenção quando conectada a falta de saber e de conhecimento, pois apenas reforça uma característica resistente de quem não se interessa por novas informações e se limita ao cabresto das teimosias reprimidas. Forçadamente controla a raiva que deixa transparecer vermelha na face pálida e desnutrida, apesar do elevado tamanho, o que faz da ignorância ser o que é, trazendo todos os rudes comportamentos à tona. Em determinado momento chega a merecer certa compaixão pela voz exaltada e balbúrdia psicológica, porém, a maldade intencional quase sempre corrompe o sentimento de misericórdia. Aquela raiva de outrem agora é sua com maior vigor e levianamente se apodera de um novo portador.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Selvageria concentrada


      O mundo mudou. Ele está realmente assustador e muitas das coisas são amedrontadoras, inclusive saber que o número de pessoas é muito maior. As terras estão gritando, os animais se refugiam, mas não podem combater contra a brutal e avassaladora força do homem e seus pesados artefatos. Tocas foram soterradas, ninhos estão caídos, cavernas exploradas desabrigam inofensivos morcegos, peixes estão sedentos e o pasto já não doa alimento necessário para famílias de quadrúpedes. A fauna e a flora se despedem num canto tristonho e temem não mais ganhar liberdade para governar a natureza. Poucos lutam pelos interesses do bem comum, pela preservação desses incríveis seres que até hoje nos concederam o sustento e nos alegram cada dia com a sua beleza e majestade ímpar que só a originalidade poderia oferecer. Um nó paira na garganta ao ver que muitos desses seres são conduzidos pelo instinto. Reféns dos seus invejáveis faros, cobiçada audição e contemplada visão mesmo na escuridão, caem no engano e atrás das grades de uma infame gaiola. Mentes estressadas, a liberdade se faz nula nas garras do medo e da dor que sentem ao sair de seus habitats não mais naturais. A superioridade humana está a uma distância pouco longe da ruína e da morte.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Nota do tempo de um voo contido


          O cálice das verdades interiores molhou sua garganta e amargou toda sua boca. Com os olhos fechados seu corpo derretia no calor e caía aos pedaços. As narinas cada vez mais irritadas não suportavam a entrada de tanto ar. Mãos e costas encolhidas e um choro inconsolável tomaram o seu ser. Os dentes doloridos já não faziam mais parte daquela boca e as pernas estavam submersas na intensa frieza das águas. Seu ninho era frio e lhe fazia tremer toda a carne, inexplicavelmente já perdera todos os sentidos humanos, passando a escutar como aves e se perturbar com todo e qualquer ruído que chegasse aos seus sensíveis ouvidos. Suas penas ainda pequenas estavam molhadas e uma breve crise de riso se estampou no rosto. Já estava na hora de amargar a boca novamente quando seu estômago esquentou e num movimento abrupto veio a necessidade de expelir o vômito da cura. Sua vontade era de voar, mas algo prendia suas asas nos pensamentos racionais que lhe vinham negar a experiência da mutação. Ao impedir sua força interior entrou em transe e passou a ter densas visões de animais e insetos que nunca havia visto na vida racional, todos os que passavam por perto possuíam olhos, muitos olhos a olhar a ave que não tinha descoberto a maravilhosa liberdade plena por meio do voo. Outra vez sentiu o poder da cura e expeliu um viscoso vômito do pranto reprimido. Precisou de ajuda para se libertar das garras do perigo em meio aos calafrios e tremores de seu corpo, logo ouviu uma voz apaziguadora e solícita aos seus suspiros temerosos. Essa mão auxiliadora foi ao seu encontro, despertando sua alma do distante sono de embriaguez que aos poucos voltava para luz. Logo veio a aurora boreal e pigmentos violetas despontaram por entre todos os irmãos. Deitou-se e percebeu que seus sentidos humanos retornavam e muito tempo se passou até que sentisse o habitual calor em suas pernas. Regressou de sua viagem e permaneceu meditando no entorpecimento e em tudo o que havia acontecido por meio do cálice de poder.