sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Nota do tempo de uma dançarina

 Férias. Foi assim que nomearam o recesso do trabalho, dos estudos e para toda atividade que traga algum tipo de labuta. Em meio ao descanso, o rapaz tirou a bailarina para um dança, ela foi para o alto logo depois que o sol apareceu no céu. Iniciou os passos perto do instrutor e ganhou a imensidão há muitos metros de distância dele. Ela rebolava e bailava, vestia trajes coloridos e sua cauda era brilhante. Ela visitou os pássaros, as nuvens e até os aviões. Sua cauda brilhante balançava a todo instante. Mas cortaram sua guia, ela perdeu o rebolado e girou, girou, girou. Desgovernada, a pé de valsa cai em lugar desconhecido, às vezes, de impossível alcance. A dançarina que queria bailar acaba presa nos fios da rede elétrica ou na antena das casas. Foi por isso que o menino subiu no muro:
- Ei, garoto! Você mora nessa casa? Questiona o senhor.
- Não, moço. Responde o garoto, muito espantado.
- Então por que está subindo nesse muro?
- Eu só quero pegar minha pipa, senhor!
- Toque a campainha e peça para pegarem para você, não pode invadir a casa alheia!
Muitos garotos se aventuram em busca de belas dançarinas caídas.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Novo dígito

Confundi a minha mente com falsas prosas. Enganaram-me de novo. Sabia qual o real sentido, mas mesmo assim lhe dei ouvidos. O que me surpreende é a astúcia com que toma atitudes e as realiza de caso pensado. Como eu não percebi antes?! Se percebi, porque não providenciei a solução? Não ia adiantar. Eu precisava saber, viver, compreender aquele comportamento. Muito esquisito. Pior que fui avisada. Mas é um pouco tarde para lembrar...
Prefiro recordar de que alguma coisa aconteceu. Ainda bem que boa coisa aconteceu! Tem hora que não dá para apertar a mesma tecla. Enjoa, dói o dedo e repete o de sempre. Mudei a direção. Escolhi uma nova tecla. Uma que não tinha apertado antes, aquela que brilha para mim e chama o meu nome. Toda vez que a vejo entendo os motivos, porque uma hora isso ia acontecer. Quando não somos vencidos pelo cansaço, o vencemos quando queremos. A verdade é que eu cansei. Cansei de falsas prosas, de paleios doentios, de condutas hipócritas e medos fictícios que importunaram a minha atenção. Cansada de dois mil e dez.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Doce inocência

      Ela levou o dedo indicador até o nariz sem cerimônia. Não estava se importando com quem passava. Na porta do restaurante, o comportamento é típico e muito natural para a idade que ela aparentava ter. Totalmente despreocupada com o que iam pensar, achar ou julgar. No mínimo, pensaram “nossa, a mãe dessa garotinha deve ser uma porca”, ledo engano. Quem dentre os humanos já não teve tal atitude? Lembra-se com clareza da infância? É possível que algumas pessoas tenham ‘flashs’ na memória, mas nada concreto.
      A igenuidade está no sorriso doce e no meigo olhar. A vida toda se alegra com um doce, um brinquedo, um passeio pelo parque. São até capazes de dizer “Hoje foi o dia mais feliz da minha vida!” e com tão pouco. O pouco para alguns é o muito para elas. E é o “pouco muito” que as fazem felizes, transformam lágrimas em alegria, com uma capacidade extraordinária de perdoar. Apreciável. Quão bom seria se todos os dias o ser humano exercitasse o dom supremo da inocência, sem perder a personalidade e caráter de saber agir no momento correto. Provavelmente, se isso acontecesse e os interesses supérfluos se fizessem sufocados, seria possível entender o que significa a paz mundial.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Nota do tempo de uma habitação

      Embaixo de telhas, abrigados por um sentimento entre duas pessoas. Sangue do mesmo sangue. Suas vidas compartilhadas formam um laço misto de sentimentos. Ora raiva, ora impaciência, ora amor, ora alegria.  Ao se encontrar, falarão da vida durante horas de maneira memorável e engraçada. São as melhores companhias para lembrar do passado, pois a maior parte de suas vidas foi dividida sob o mesmo teto. O choro de um dos seus provoca tristeza em outros, estão ligados por suas convicções, crenças, respeito mútuo e o modo como veem a vida. Não é fácil compreender o outro, mas conhecendo a vida dele tão bem quanto a sua é possível ajudar. E assim vão vivendo, trocando experiências. No futuro, por mais que doa, serão consequentemente separados pelos lares que hão de construir.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Na minha chaminé

       Esperei tanto por ele. De repente apareceu na minha casa sem ser convidado. Acordei com um estrondoso barulho, muita poeira perto da lareira, os passos pesados pela sala denunciaram sua posição. Fiquei extasiada, pensei que ele não existisse e muito menos que fosse à minha casa. Recobrei-me do susto e persegui seus rastros até a árvore de Natal. Ah! Minha árvore de Natal! Cheia de brilho e com adornos encantadores, a deslumbrava com tanto orgulho que me esqueci do invasor. Ele não deixou presentes no pé da árvore, tampouco nas meias penduradas pela lareira, saiu de fininho pela janela e esqueceu de ler minha cartinha de pedidos. Se ele soubesse dos meus pedidos... Não teria escapado! Sentei no tapete e procurei entender porque alguém faria aquilo, entraria pela chaminé e depois fugiria como um covarde sem nenhuma explicação.
       O amanhecer apareceu, podia ver que o sol já despontava seus primeiros fachos de luz, os pássaros cantavam em seus ninhos e comemoravam o dia que acabava de chegar. Uma batida na porta me despertou por completo, era o entregador de jornal. Abri a porta, peguei o jornal e me dirigi até a caixa do correio para recolher as correspondências. Percebi que a vida tinha voltado ao normal, pois tinha apenas sonhado com uma estória que ficou no meu incosciente, a de um Papai Noel!

sábado, 11 de dezembro de 2010

Um olhar

No pescoço, um cordão verde. Carregava um bilhete único especial. Acompanhado pelo pai, o garoto ouvia o rádio pelo celular e em alguns momentos sua voz entoava parte da canção. Vestia um uniforme, na sua camiseta estava escrito “Instituto de Cegos Padre Chico”. Encostou a cabeça no ombro do pai, depois tentou deitar em seu colo, mas ao tatear o braço daquele simpático senhor, encontrou um relógio e disse: Presente para mim você não compra, né? O pai balançou a cabeça e retrucou: Não comprei nenhum presente, preciso dele para saber as horas. Mas o garoto parecia apenas brincar com seu pai. Mantinha os olhos abertos, mas sempre de cabeça baixa. Conforme a música que escutava, expressava sorrisos e até gargalhadas. Ele enxergava com a mente e o coração. Os sentimentos transmitidos através da voz de outras pessoas o impressionavam. Criava imagens que só uma pessoa que “vê” como ele entenderia.
Aqueles cabelos grisalhos demonstravam a vida de um pai cansado, que luta pela educação de um filho com as janelas da alma fechadas pela escuridão, trancado em um mundo imaginário de formas, cores e luz. Fazia com amor e por amor, amparava seu filho nos braços toda vez que ele vinha até eles. Inquieto, o garoto só queria escutar o rádio... Um meio de comunicação muito apreciado, pois seu semblante denunciava isso. Seu olhar de significados, da percepção e de uma vida assolada pelas sombras mudava com a música, que lhe dava a possibilidade de ver muito além dos olhos.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Nota do tempo de uma caneta

       Nenhuma ideia... Na verdade tinha, mas com os olhos fitos naquele objeto o curso da mente mudou e lhe tirou as vestes. Às vezes são simples e outras um charme só. Na aula se tornou indispensável, para um escritor até a pena, valeria. Mas como não tinha nanquim para embebedá-la, o conteúdo cheio pediu para ser gasto. Os primeiros riscos foram feitos seguidos de algumas voltas, no princípio nada é compreensível, mas os contornos ficam cada vez mais nítidos conforme o contato com o papel, que a saturava. A pausa vem por conta do pensamento, que vem e vai. Que vai e vem, que nunca para, porém ampara com novas ideias. Saiu da mão e foi parar no cabelo. Ficou lá por um tempo... A mão inquieta a tirou de lá e pôs a magrela para trabalhar. Suou, escorregou e parou no lugar, não tinha mais palavras para rabiscar. Deitou sobre a folha e lá ficou, a espera de uma inspiração.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Ornamento natural

      Sua beleza é encantadora.
     Desde quando está lá? Ninguém sabe, mas estimaram um período de existência.
     Dá uma vontade de laçá-la e trazê-la para mais perto. Em alguns dias seu brilho é tão intenso que até faz sombras, nem mesmo uma lanterna substituiria sua luz... Disso, os acampantes sabem.
   Preciosas joias reluzentes a acompanham, guiam marinheiros e marujos, formam figuras na imensidão.
    Um luzeiro que serve de sinal para estações, para dias e anos. Nova, crescente, cheia ou minguante sua presença enaltece o majestoso manto noturno. No firmamento, ela governa a noite com grande esplendor.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Pequeno cativante

No relógio, onze horas e trinta e dois minutos. Ele entrou no ônibus e papeou com o cobrador. Depois, passou uma cesta de mercado por baixo da catraca. Uma moça, que sentava no banco da frente, perguntou: - Quanto é?! Ele já estava de frente para catraca se preparando para mergulhar até o outro lado e respondeu: - Um real, baratinho, qual o sabor?
           Entre coco, morango e castanhas, a moça ficou com o de coco. Esses sabores eram os recheios dos chocolates “Kero +”. Ao chegar do outro lado, passou os chocolates de mão em mão por todo o transporte coletivo, alguns seguravam e outros não. Em intervalos curtos, anunciava: - Um real, um real, um real, coco, morango e castanha, chocolate por um real! Tá baratinho!
     Cena extremamente comum no dia a dia do cidadão que utiliza esse meio de locomoção. Mas o vendedor não era um pai de família, uma mãe ou um jovem cheio de vigor... Era uma criança de aproximadamente dez anos de idade, vestia uma camiseta esburacada de alguma escola estadual. O cansaço estava exposto no seu meigo rosto infantil e parecia ter o sono roubado pelas noites de vendas nos coletivos da cidade paulista.
     Mesmo exausto, fazia um engraçado som de buzina para que os passageiros facilitassem suas idas e vindas pelos corredores. Sua simpatia conquistou a muitos, vendeu cerca de oito chocolates, número considerável pelo horário. Para que comprar chocolate essa hora? Quem comprou, guardou na bagagem. Talvez para comer no dia seguinte. A intenção era ajudar o menino.