terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Nota do tempo das mensageiras

Com a voz e o comportamento infantis, ela aparentava ter 60 anos, ou mais. Falava alto e a falta de alguns dentes fazia com que as palavras tivessem um leve chiado ao final. Olhando pela janela, notou o rio e os prédios e fez a seguinte observação: “- Se não tirarem os prédios de lá, eles vão cair tudo no rio”. Encantava-se com a quantidade de pessoas, com o sinal de aviso das portas, com o pato nadando no rio poluído e com o menino que não tinha barba no rosto. Perguntou se ele tinha namorada. Com a negação, ela disse: “- Isso mesmo tem de estudar muito, estuda, viu?”. Balançava para frente e para trás. Disse com orgulho que não bebia e nem fumava. Recebeu o elogio de “anjo, é um anjinho” e um afável carinho na cabeça de sua cuidadora. Conversavam o tempo todo, sorriam e trocavam beijos no rosto. Desinibida, o anjo passou a falar com uma passageira, disse que completou 51 anos mês passado e que “teve problema”, apontando para a cabeça. Elas ensinam muito com pouco tempo por perto. Eu não senti a presença de um anjo, mas de dois.  

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