Com a voz e o comportamento
infantis, ela aparentava ter 60 anos, ou mais. Falava alto e a falta de alguns
dentes fazia com que as palavras tivessem um leve chiado ao final. Olhando pela
janela, notou o rio e os prédios e fez a seguinte observação: “- Se não tirarem
os prédios de lá, eles vão cair tudo no rio”. Encantava-se com a quantidade de
pessoas, com o sinal de aviso das portas, com o pato nadando no rio poluído e
com o menino que não tinha barba no rosto. Perguntou se ele tinha namorada. Com
a negação, ela disse: “- Isso mesmo tem de estudar muito, estuda, viu?”.
Balançava para frente e para trás. Disse com orgulho que não bebia e nem
fumava. Recebeu o elogio de “anjo, é um anjinho” e um afável carinho na cabeça
de sua cuidadora. Conversavam o tempo todo, sorriam e trocavam beijos no rosto.
Desinibida, o anjo passou a falar com uma passageira, disse que completou 51
anos mês passado e que “teve problema”, apontando para a cabeça. Elas ensinam
muito com pouco tempo por perto. Eu não senti a presença de um anjo, mas de
dois.